O
décimo aniversário da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada em junho de 1992, no Rio de
Janeiro, suscita reflexão sobre importante conceito
difundido naquele evento: o "desenvolvimento sustentado".
Dez anos depois da Rio-92, o desprezo de numerosos países
aos tratados e recomendações da conferência,
conforme se verifica no caso do Protocolo de Kioto, estabelece
perigosos desequilíbrios na utilização
dos recursos naturais. Na chamada sociedade pós-industrial,
em meio às promessas de melhores condições
de vida e desfrute dos benefícios da tecnologia,
o ser humano sequer conseguiu, paradoxalmente, garantir
sua sobrevivência e o futuro do Planeta.
Um
dos mais graves e ameaçadores indicadores da insipiência
no manejo dos recursos naturais e sua relação
com os sistemas de produção é relativo
à questão da água. A expansão
demográfica no Planeta é maior do que o
crescimento da oferta desse líquido vital potável.
Por isso mesmo, ele transforma-se em item estratégico
da economia mundial. A devastação ambiental
ocorrida ao longo do século passado, a contaminação
e o uso indiscriminado desse recurso natural, inclusive
para geração de energia, provocaram paulatina
redução dos mananciais, em especial das
reservas não contaminadas.
Três
quartos da Terra são cobertos por água.
Apesar disso, estima-se que cerca de 30 países
terão dificuldade, em curtíssimo prazo,
para atender à demanda. Aproximadamente um bilhão
de pessoas, em todo o mundo, não dispõem
de água potável. Numerosos municípios,
inclusive nos países desenvolvidos, não
têm como expandir os seus sistemas de abastecimento.
A estes números soma-se outro agravante crucial:
além da redução dos mananciais, faltam
investimentos no tratamento da água. No Brasil,
São Paulo é um dos Estados que têm
realizado investimentos significativos na expansão
das redes de abastecimento.
O
Banco Mundial (BIRD), que financia projetos de água
há muitas décadas, estima que os investimentos
no setor não superam um por cento do PIB mundial.
É muito pouco, especialmente se comparado com outras
área da infra-estrutura. Energia, transportes e
telecomunicações recebem cerca de 15%. Este
dado mostra que, estranhamente, houve pouca mobilização
de capital e preocupação condizente com
a realidade, no atendimento a uma demanda vital para a
humanidade.
Outros
indicadores importantes sobre o tema demonstram que à
gravidade do problema jamais se deu proporcional atenção:
a Organização Mundial da Saúde (OMS)
revela que mais de 50% das doenças que atacam os
países do terceiro mundo poderiam ser evitadas
caso as populações não tomassem água
contaminada; estudo do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) atesta o quanto o
fomento da infra-estrutura relativa à água
é imprescindível: cada investimento que
amplie em 1% o acesso da população de baixa
renda aos serviços de água tratada e saneamento
básico corresponde a uma redução
de 6% no número de mortes de crianças. O
PNUD calcula que, para cada US$ 16 mil investidos em saneamento,
um óbito poderia ser evitado.
No
Brasil, a questão tem interessantes peculiaridades.
O País, embora tenha recursos hídricos abundantes,
enfrenta sérias dificuldades para abastecer a população
com água potável de qualidade. A poluição
dos mananciais, inclusive na Amazônia, provocada
pelos problemas demográficos e questões
sociais, e a carência de investimentos na captação,
tratamento e distribuição provocam deficiência
na oferta. Resultado: 25% dos domicílios brasileiros
não são atendidos por rede de água.
O quadro agrava-se com a carência na coleta de esgotos,
serviço que representa verdadeiro privilégio
para 45% das residências nacionais.
Para
suprir essa demanda reprimida, tornando universais no
País os serviços de água e esgoto,
são necessários investimentos de R$ 40 bilhões,
o equivalente a 8% do PIB. A exemplo do que se observa
em outros segmentos da infra-estrutura, como telecomunicações,
transportes e energia, a privatização/concessão
dos serviços pode contribuir para o avanço
do saneamento. A legislação nacional já
permite a transferência dos serviços de água
e esgoto à iniciativa privada. Esta, contudo, não
é solução suficiente para garantir
o abastecimento de água no País.
O
caminho da privatização, já colocado
em prática em algumas regiões, não
garante duas condições básicas à
definitiva solução do problema. A primeira
é relativa à necessidade de universalização
dos serviços, uma responsabilidade do Estado, que
este pode exercer de forma direta ou privatizando, mas
mantendo a prerrogativa e o dever da fiscalização,
exigindo o cumprimento de metas. Explica-se: uma concessionária
privada de serviço público de tal relevância
não pode deixar de atender áreas nas quais
o consumo de água é menor, tornando, portanto,
o investimento menos rentável.
A
segunda questão diz respeito à preservação
dos mananciais. Garantir a integridade ecológica
dos rios, lagos e lençóis freáticos
é uma responsabilidade do Estado e da sociedade
organizada. Não haverá solução
capaz de garantir o abastecimento de água (que
deverá constituir-se em fator de soberania econômica
neste século) sem que se cumpram as recomendações,
feitas há 10 anos, na Rio´92. Ou seja, é
necessário estabelecer condições
capazes de garantir o desenvolvimento sustentado, o que
implica um conjunto de desafios a serem vencidos em curto
prazo, dentre eles a erradicação da miséria,
a educação, a geração de empregos,
saúde e moradia digna para os habitantes que ainda
vivem sob o estigma da exclusão social. Um planeta
ecologicamente correto, conforme ficou muito claro na
antológica conferência da ONU, é impossível
sem a melhoria significativa do quadro social.
*Milton Mira Assumpção Filho, editor, é
diretor de Distribuição e Marketing da CBL
e consultor da área editorial.